A tese aborda as representações das migrações na literatura e alguns dos debates culturais em torno das disseminações migratórias na contemporaneidade. São analisadas obras ficcionais, sobretudo aquelas produzidas a partir da década de 1980, que têm em comum a tematização da condição de personagens em trânsitos, exilados, refugiados, imigrantes, estrangeiros, intelectuais e sujeitos diaspóricos, os quais atravessam fronteiras e reescrevem nações e culturas. O papel da “literatura migrante” enquanto lócus potencial de representação das tensivas mudanças culturais e os impasses da circulação das diferenças provocados pelos deslocamentos migratórios atuais são discutidos, abordando como as ficções inspiradas nos deslocamentos individuais e coletivos representam alternativas de reinvenção das identidades culturais e problematizam as formas mais usuais de pertencimentos. Esses intercessores fronteiriços são considerados “personagens-conceituais”, cujos heterônimos podem ser o “crítico e intelectual exilados” de Edward W. Said, “o imigrante solitário” de Joseph Conrad, “os anjos e demônios da migração” de Salman Rushdie, o “cosmopolita discrepante” de James Clifford, o “cosmopolita pobre”, de Silviano Santiago e Tayeb Salih, o “sujeito diaspórico” de Derek Walcott e Stuart Hall, que compartilham condições intersticiais da imigritude. O referencial teórico exposto no primeiro capítulo mobiliza ainda filósofos, escritores e pensadores que experimentaram o lócus do exílio e da migração: Edward W. Said, Erich Auerbach e Theodor W. Adorno. Nos capítulos seguintes é abordado o romance Os Versos Satânicos, do escritor indo-britânico Salman Rushdie, discutindo as recepções do livro após a condenação do autor à morte pela fatwa lançada pelo então líder iraniano, o Aiatolá Khomeini. Busca-se, no romance, dar visibilidade às imagens de nomadismos de seus personagens conceituais na metrópole, as quais permaneceram, durante duas décadas, no vácuo provocado pela sombra da fatwa. Analisamse, na sequência, alguns exemplos de narrativas que tratam dos imigrantes retornados, questão recorrente nas literaturas pós-coloniais, articulando o pensamento de Todorov em O Homem Desenraizado (1999) e de Stuart Hall em Identidade cultural e diáspora (1994). São abordadas uma obra do fotógrafo Sebastião Salgado, a emblemática narrativa Tempo de Migrar para o Norte, do escritor sudanês Tayeb Salih, e a poética diaspórica em Omeros de Derek Walcott. Nos textos que compõem o corpus de estudo, as imagens de migrantes permitem cartografar os processos identitários de sujeitos hifenizados pelos deslocamentos – ou no vaie-vem entre o local e o global – não apenas como vítimas tangidas pelos fluxos globais, mas como aqueles que sofrem e gozam as consequências da imigritude, partícipes ativos e ao mesmo tempo estrangeiros das sociedades em que vivem. Defende-se que o imigrante nas ficções e teorias do contemporâneo vem se tornando um “personagem conceitual” – a figura filosófica necessária, conforme Deleuze e Guattari – que potencialmente exprime as transterritorializações culturais da atualidade