Réquiem das Almas: reconstituição de possibilidades discursivas sobre a performance de Encomendar Almas na cidade de Santana – Ba dedica-se à inventariação da performatividade intrínseca à Encomendação de Almas – ritual funerário dedicado àqueles que se encontram em desassossego post-mortem. Trata-se de uma prática penitencial em prol das almas em desamparo que, na cosmovisão da Cristandade ocidental, só encontram a misericórdia divina através da intervenção dos viventes que rogam pelo alívio de suas penas. Circunscrita à linha de pesquisa Documentos da Memória Cultural, a dissertação propõe que, para inventariar a cerimônia em questão (e, por conseguinte, as potencialidades interpretativas que nela se inscrevem), fez-se necessária (para além da construção dos aspectos descritivos) uma especial ênfase nos investimentos subjetivos dos sujeitos envolvidos, bem como na ficcionalidade que atravessa ambas as narrativas: a da Encomendação e a que aqui se apresenta. Nesse entendimento, a metodologia, em consonância com o caráter multidisciplinar adotado pela pesquisa, baseia-se no modelo etnográfico de observação participante cuja aplicabilidade resultou no cruzamento entre as histórias de vida (narrativas autobiográficas), o contexto sociocultural no qual as Encomendadeiras transitam e a inventariação do experimento poético por elas protagonizado. Diante do tabu contemporâneo que envolve o morrer, o qual aciona as mais diversas estruturas cerimoniais nas sociedades humanas, ocorre a problematização de como as Encomendadeiras se apropriam, simbolicamente, da morte e, ao fazê-lo, como a representam. A crítica interna que costura as significações alegóricas da voz no ato da Encomendação ancora-se nos estudos performáticos de Paul Zumthor e ocupa-se em identificar a dinamicidade do texto, haja vista que o mesmo é um sistema autorregulável que cria zonas de significação imediatas quando de sua narratividade. A ampliação da percepção da literatura – que não é produção escrita, tão somente, mas textualidade – explora modalidades outras do campo literário abrangendo as dimensões oral, acústica, visual, e, ao ponto que mais interessa, a comunhão de linguagens que orbita em torno da dimensão performática da Encomendação. De forma circular, o passado que antecedeu os gestos rituais estruturantes da Encomendação é permanentemente vivificado quando da execução da performance, através da qual o encantamento das palavras entoadas pelas vozes que reivindicam a misericórdia divina é capaz de redimir as almas de suas privações e estancar-lhes o sofrimento. A resolução e/ou compensação psíquica diante da irredutibilidade da morte apresenta-se como um dos principais contributos da rede de solidariedade tecida entre as Encomendadeiras e as almas.